O exorcista amador.

 


1977; o ano que se eu pudesse nominar para minha biografia, foi o ano em que chamaria de “ano do limbo”. 

Tinha saído de um longo namoro, que, por acidente se tornou um noivado e que, graças aos céus, não se tornou um matrimônio. Estava curtindo minha liberdade, estava adorando e me recusando a me envolver em mais nenhum relacionamento por um bom tempo. Tinha terminado meu segundo grau, que naquela época era profissionalizante. Escolhi eletrotécnica, pois tinha muita dificuldade em matemática no primeiro grau. Queria um desafio, que se mostrou ótimo, pois depois de ver a aplicação prática, passei a amar esta matéria.

Tinha um sonho de fazer engenharia, mas infelizmente, por ser horário integral, continuou sendo apenas um sonho. Trabalhava como caixa em um grande banco e se deixasse de trabalhar, passaria fome; pagar a faculdade então, seria impensável. Morava em uma cidade do interior, com recursos escassos e na época não tinha internet, que poderia abrir minha mente para realizar meus sonhos. Reconhecendo esta dificuldade, fiz então vestibular para humanas, por falta de opção. Consegui  uma colocação razoável. A princípio fiz para a Faculdade de Direito e passei com uma colocação relativamente alta, com direito a escolher diversas carreiras, pois como na época, quanto mais bem colocado estivesse, mais vagas sobrariam para você escolher. Direito tinha umas 100 vagas e economia umas 30. Acabei escolhendo economia, Foi o menos pior, pois hoje acho direito uma matéria muito chata, Economia também, mas pelo menos tinha um pouco de matemática. Era o que eu podia pegar e pagar.

Desculpem este velho, vamos voltar o assunto. Na minha idade, minha memória me leva divagações.

Com uma formação mística, já iniciante desde os 14 anos, graças a influência de minha mãe, entrei para uma Ordem Iniciática, cuja convivência com os companheiros me deixava muito bem, e agradeço a esta Ordem, por me ajudar a passar esta fase, pois tinha uma grande vontade de conhecer o desconhecido e a ordem atendia bem os meus anseios.

Adorava eletrônica, mas infelizmente, não tinha coragem, ou mesmo vontade de começar do zero e trabalhar nesta área. O salário de caixa de banco era muito bom para que eu largasse, embora a função de caixa era demasiadamente chata para minha mente que sempre quis algo novo, mas zona de conforto… Bem.. já sabem como é. 

No entanto continuava a ter eletrônica como um Hobby. Nesta época conheci diversas pessoas que se chamavam a si mesmos de “sucateiros”, pois sem ter dinheiro para fazer seus projetos, iriamos literalmente no lixo catando restos de aparelhos eletrônicos e aproveitando seus componentes para aproveitar em nossos projetos. Dentre estes “Sucateiros”, conheci diversos padres Franciscanos seminaristas. 

O leitor vai estranhar o porque de tanta gente envolvida com o espiritual, como eu mesmo e os padres, gostávamos tanto de eletrônica, uma matéria que, pelos olhos de pessoas que não conhecem, não tinha nada a ver. Na realidade tinha. Havia uma pseudo ciência chamada “Transcomunicação instrumental”, que na realidade eram equipamentos eletrônicos que sintonizavam frequências mais altas, que supostamente se comunicariam com espíritos de pessoas que lidavam com eletrônica, que construíam aparelhos no mundo astral, tentando se comunicar com o nosso mundo, para isto, montávamos nós mesmos nossos receptores e transmissores. Bem, esta experiência contarei em um próximo episódio, mas vamos voltar ao fio da meada.  

Acabei ficando muito próximo dos seminaristas Franciscanos, dada a minha sede de conhecimento. Um belo dia me lavaram para conhecer o convento. Nunca fiquei tão feliz, cheguei até a pensar em virar seminarista (ainda bem que não fiz isto). 

Passei a frequentar o convento sempre que podia, me inteirando do conhecimento dos seminaristas e também conhecendo uma das maiores e mais completas bibliotecas do Brasil, que tinha em seu interior, a Bíblia de Gutemberg, Mein Kampf, Livro vermelho de Mao Tsé Tung, O Capital e outras obras que me deixavam simplesmente extasiado, pois na época era um comunista convicto, embora crendo no mundo espiritual, que era completamente fora do materialismo dialético da doutrina comunista, mas assim é o brasileiro com o seu “jeitinho”.

Travei conhecimento com muitos padres, alguns deles exorcistas, que mantinham sua função em absoluto segredo, pois era uma matéria complicada, como verão adiante. Vendo meu interesse, e notando minha vontade de integrar o convento, pois na época era muito difícil encontrar jovens dispostos a ter uma vida monástica, eles começaram a abrir um pouco esta atividade e eu (não me gabando) conseguia através de conversas, retirar tudo o que podia deles.

Um belo dia, vi estes 3 padres vestindo macacões muito puídos e estranhando porquê não estava vestindo aquelas longas batinas marrons, que traziam uma corda amarrada na cintura, perguntei o que era aquilo e para onde iam, pois estavam carregando pesadas valises.

- Vamos ajudar uma pobre alma no limbo. Responderam.

- Como vocês vão?

- Vamos de ônibus.

Na mesma hora, com a curiosidade queimando meus ossos, ofereci-lhes uma carona, estava com o meu primeiro carro, um fusca 1971 caindo aos pedaços, mas funcionando bem.

Após olharem uns para os outros, em busca de um consenso, aceitaram a carona, mas com a condição de que eu não saísse do carro. Aceitei.

Foram me orientando no caminho, uma subida tortuosa de estrada de barro, até chegar em um pequeno barraco com paredes de telhas de zinco, de 1 cômodo só. Ao sair do carro, os padres me fizeram dar a minha palavra de que não sairia do carro, que dei (com os dedos cruzados é claro).

Saíram do carro, e entraram no barraco. 

Minha curiosidade estava ardendo, após mais ou menos 1 hora, esqueci o que tinha prometido e saí do carro para dar uma espiada.  Foi então que tive a experiência mais arrepiante de minha vida.

O barraco exalava um cheiro nauseabundo de fezes misturado com corpos em putrefação. Vi os 3 padres com os macacões completamente sujos do que pareciam fezes humanas. Um dos padres com um crucifixo na mão, pronunciando palavras em latim, o outro com um vidro do que parecia ser água benta, borrifando em cima de algo deitado em uma cama imunda, que parecia ser um corpo pequeno, talvez jovem, mas não dava para ver, pois o aspecto era cadavérico de um zumbi com apenas pele em cima de ossos. O corpo estava nu, que dava para ver que era do sexo feminino. O outro padre, incrível, estava em um canto desacordado, fiquei apavorado. A pobre criatura berrava com uma voz que parecia ter saído do mais profundo do inferno de Dante, uma das mãos  em garra para o alto, como se quisesse estrangular o padre e a outra mão naquela massa informe que julguei serem os órgão sexuais.

Infelizmente comecei a ter espasmos de vômito o ruído denunciou minha presença. Vomitei até a minha alma naquele dia, nunca vomitei tanto em minha vida até hoje. Com muitas dores devido ao espasmo do vômito, noto a presença de um dos padres, que me deu um longo e terrível esporro, dizendo que eu tinha me exposto a uma força muito poderosa e que ele agora deveria fazer um tratamento em mim, para que as influências maléficas não tomassem conta de meu corpo. Após fazer umas orações e me aplicar passes, ele voltou ao barraco.

Embora a lição tenha sido muito forte, e o medo estivesse tomando conta de minha alma, novamente me dirigi ao barraco, agora olhando escondido e notando mais os detalhes. A cama, não era uma cama, eram caixotes empilhados embaixo que que eu achava ser um colchão improvisado. Nas pareces havia uma mistura de fezes e sangue, as outras partes do barraco, no que deveria ser uma cozinha, restavam diversas coisas que pareciam utensílios espalhados pelo chão. Um ruído que me gela até hoje minha alma, saída desta pobre alma que jazia na cama, falando impropérios que variavam do português, latim, e agora, após estudar vejo que também falava em hebraico. Próximo aos órgão sexuais havia um agrande mancha de sangue e diversos vestígios de pús seco e com mais pús saindo do orifício vaginal. Das órbitas, de onde deverias surgir lindos olhos juvenis, viam-se buracos negros saindo um líquido negro em profusão.

Meus querido leitores, uma coisa é ver isto em filmes, sabendo que era pura ficção, outra era ter a constatação de que tal coisa existe e é real. O sentimento de gêlo na alma é indescritível. Nem nos meus piores pesadelos, eu poderia imaginar que isto era real, uma experiência que marcou toda a minha vida.

O padres, já demonstrando visível cansaço, continuavam sua série de esconjurações em latim gritando com voz de comando o mais alto que podiam. 

- Vade retro, Vade retro !!!!!!! Exite hinc spurca creatura. Jesus est dominus tuus!!!!

Os parentes, todos do lado de fora da casa, já não moravam mais ali, improvisaram um acampamento fora do barraco. A mãe chorando longamente um choro sentido, que tenho certeza, todas as mães sabem como é. 

Fui tentar consolar os parentes, mas parei de repente. Senti uma grande ira, tinha que matar a todos, passava pela minha cabeça a idéia de estrangular aquela mãe que estava me irritando com aquele choro. Havia agora silêncio no interior do barraco. Senti uma ira crescente a tomar conta de mim, queria exterminar a raça humana, exterminar aqueles que séculos antes fizeram de mim um desgraçado. Queria matar a todos aqueles seres inferiores em volta de mim!!!

Foi quando algo aconteceu. Surgiu na minha mente a imagem de minha mãe com sua voz calma, me dizendo para resistir e não deixar que aquilo tomasse conta de mim. Resisti, pensei na minha mãe, pensei em todos os meus entes queridos e em tudo o que mantinha minha sanidade. A sensação foi desaparecendo até sair completamente e me vi deitado no chão todo coberto de barro, com os todos a minha volta surpresos, inclusive os padres. Um dos padres perguntou:

- Como ele fez isto?

O outro respondeu:

- Conhecimento e vontade, em nossas conversas, notei que ele era um grande estudante.

Após eu me recuperar, voltamos ao convento, os padres avisaram meus pais de que eu passaria a noite lá, pois, precisava me recuperar.

No dia seguinte, já refeito e muito bem, embora bastante traumatizado, foi que um dos padres me explicou:

- Em atividades como a nossa, de exorcismo, fazemos muita preparação antes, tomamos banhos de ervas, ficamos 48 horas em oração, para nos prepararmos para esta difícil jornada, e mesmo assim, como você viu, o padre fulano não conseguiu resistir. Nossa função é árdua, o mal está presente e está cada vez mais difícil de vencer. Pedimos muitas desculpas pelo nosso erro de ter deixado você ir conosco, realmente pecamos neste aspecto. No entanto, vimos uma força nascer de você muito grande, pois a entidade saltou da menina para você e você o expulsou. O que você fez?

Expliquei que eu estudava muito com minha mãe e era estudante da Ordem iniciática, que me dava algum subsídio para lidar com isto, embora estivesse em graus iniciantes. O pensamento em entes queridos e nos momentos felizes que vivi foi o que talvez tenha me livrado disto. 

Aquela menina se tornou vítima em razão da vida miserável que que vivia, com raros ou sem nenhum momento feliz, não apresentando uma forma de escapar da entidade maligna. A infelicidade e a tristeza, fazem coisas terríveis, assim como a alegria e o amor são muito poderosos.

Após isto, passei a acompanhar os padres nos eventos, no sentido de ajudar na logística, preparar o material e anotar tudo o que ocorreu em um diário, que passarei a contar para vocês em outros episódios. Nunca mais tive aquela sensação, graças a diversas providências tomadas pelos padres e eu passei ame aprofundar cada vez mais no estudo do desconhecido, até hoje. 

Bem meus amigos, o que tiramos de lição deste conto?

Momentos felizes, pessoas amigas e amorosas à nossa volta sempre nos permitirão escapar de todo o mal que existe no mundo.

E a menina?

Ah a menina!!

Após uns meses eu a vi no convento, já de volta com algum do seu vigor, embora ainda aparentando certa magreza e cicatrizes pelo rosto e talvez, quem sabe, em todo o seu corpo. Não quis falar com ela, estava muito constrangido por tudo o que vi, mas ao passar por ela vi um sorriso, e não precisei ser médium para notar um sorriso de agradecimento.


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