Os direitos de quem não tem padrinho.

 A mulher chega na delegacia:

- Quero relatar um estupro!

- Quem é a vítima? Pergunta o delegado.

- Eu!

- E o estuprador?

- Não sei bem, era careca, alto, vestia Prada.

- Humm. Você tem provas?

- Sim. Tem as marcas no meu corpo. Tem o vídeo da câmera de segurança do...

estacionamento q mostra o momento em que ele me agarrou. Eu o arranhei, deve dar para fazer exame de DNA com a pele dele nas minhas unhas. 

- Isso é ridículo, não prova nada.

- Mas tem o vídeo dele me atacando, olha aí!

- Humm... Você chama isso de ataque? No máximo um esbarrão.

- Ele me jogou no banco do carro e rasgou minha roupa.

- Ridículo, isso não é documentação crível. São dados genéricos e vagos. Mas falando em roupa, você estava vestida assim?

- Assim como?

- Assim, com essa saia e esse decote?

- Sim. Mas o q iss...

- Humm...

- Humm o quê?

- Mas também, né?

- Oi?

- Sai assim e não quer ser estuprada?

- Agora então é minha culpa? 

- De quem mais seria? A senhora saiu com clara finalidade de tumultuar a paz do rapaz. Aliás, vou investigar isso aí, a senhora não pode provocar as pessoas desse jeito.

- Mas ele q me atacou, eu não fiz nada...

- É o q a senhora diz, mas a lei diz outra coisa, a lei diz que a senhora quer confundir a cabeça das pessoas e criar pânico com essa teoria da conspiração de que há um estuprador por aí!

- Mas é você que está dizendo isso!

- Exatamente.

- Absurdo! Você não é a lei, é só um delegado. 

- Pelo jeito, além de tumultuar o sossego das pessoas, espalha fakenews. Vou ter que colocá-la no inquérito da...

- Você tá louco! Tá achando que é rei?

- Imperador...

- Como?

- Pelo jeito a senhora não assiste a CNN, né?

- Não, claro que não, trabalho o dia todo.

- Ah, logo vi que era bolsonarista...

- ????

- Me diga, se a senhora foi supostamente estuprada, violentada, como chegou aqui?

- Uma colega da firma me encontrou no estacionamento e me trouxe até a delegacia.

- No carro dela?

- Que isso tem a ver?

- A lei é clara, senhora. No carro dela?

- Não sei, acho que no carro da firma.

- Agora, no meio da tarde?

- Sim, logo depois dele...

- Humm.

- ???

- É claro desviou de finalidade, tanto do carro da firma quanto da colega de trabalho. Será investigado.

- Mas isso é uma loucura. 

- A senhora vai continuar com esses ataques?

- Ataques? Eu que fui atacada e vocês não vão fazer nada! 

- Isso não é nossa responsabilidade. A senhora que deveria ter tomar cuidado para não ser estuprada.

- E ainda me acusa! Você é um incompetente.

- É inegável que a senhora põe em dúvida a lisura do nosso trabalho, num ataque ao estado democrático de direito. Será investigada por ataques anti-democráticos.

- Absurdo... Loucura... Quero falar com seu chefe.

- Não tenho chefe. Eu sou o chefe. Eu que mando aqui. 

- Deve haver alguma instância superior onde eu possa reclamar, buscar meu direito.

- (risos contidos) De fato, há.

- Então vou até às últimas consequências.

- A senhora pode tentar, mas eu que mando lá também.

- Então não há o que fazer?

 - Posso dar um conselho de amigo?

- (chorando) Sim...

- É possível reclamar por lá, mas provavelmente a senhora será estuprada novamente.

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